quinta-feira, 5 de abril de 2012

São Paulo e Imperador da China



"O louco é como uma folha seca em dia de ventania.
É romântico, gosta de magia e prefere a incerteza da luz de vela ao ato inseguro de caminhar no escuro.
O louco é ousado, livre e solto.
E como um alquimista, vai desenhando seu próprio caminho, sem dar satisfação sequer à sua sombra.
Ah! Se todos fossem loucos!"

Vocês conhecem o Imperador da China? Não?
Ele é o cara mais bacana que eu já conheci em toda a minha vida.
Ele morava num hospício lá em Pequim. Isso mesmo - num hospício. Justamente por pensar que era o Imperador da China. Mas não era. Porque a China, como vocês sabem, já não tem imperador, há muitos anos.

Ele gostava de morar ali. Com ele, moravam mais uns dois Napoleões, um Elvis, e até mesmo Jesus. Ali, cada um podia ser o que quisesse. Ali tudo era normal. Tudo era sossegado.
Mas ele não era assim doido, doidão, maluco de pedra.
Também gostava de coisas que todos nós gostamos, como flores, chocolate, desenhar, ver TV.

Não tem gente que nem gosta de chocolate?
Não tem gente que vê disco voador?
Não tem gente que fala sozinha?

Eu encontrei o Chian num dia em que estava lá em Pequim fazendo uma excursão com meus amigos.
Eu acabei me perdendo deles e depois de muito andar, sentei pra descansar num banco, bem ao lado do hospício.
O Chian, que estava passeando com seu monociclo, logo que me viu veio conversar comigo e me perguntou em alto e bom português:

- Você é brasileira, não é?
- Sou sim! Como você adivinhou?
- Ah! Foi fácil! Eu sei de onde as pessoas vêm pelo cheiro.
- Pelo cheiro?
- É sim!
- Quem é você?
- Eu sou Chian, o grande Imperador da China!
(Quando ele falou isso, logo eu percebi que ele era meio maluquinho, mas não falei nada. E ele percebeu que eu percebi, mas também não falou nada)

- Então, se você é o grande Imperador da China, me conta: onde aprendeu a falar português?
- Eu não precisei aprender, eu já nasci sabendo! Nós, loucos, sabemos falar todas as línguas do mundo. As vivas e as mortas. Não precisamos aprender. Já nascemos sabendo.
- Mas, me conta: onde você mora Chian?
- Eu moro aqui nesse castelo!
(falou isso apontando para o manicômio)
- E você gosta de morar aí?
- Gosto sim, aqui é bem divertido. E você? Onde mora?
- Chian, eu moro em São Paulo.
- Em São Paulo? Que legal! E você gosta de morar lá?
- Ah Chian... tem dias que eu gosto, tem dias que não gosto...
- Como assim? Tem dias que gosta, tem dias que não gosta?
- Ah... não sei te explicar... é que lá é um lugar diferente.
- Lugar diferente? Obaaaa!!! Eu adoro desenhar lugares diferentes!
(nessa hora, aconteceu uma coisa incrível: O Chian tirou do bolso, magicamente, uma caixa de lápis de cor e uma folha de papel)
- Pronto! Pode me dizer como é sua cidade?

E agora? Olhando para o Chian, com os olhinhos brilhando, esperando que eu falasse sobre a cidade mais diferente do mundo...
O que falar sobre São Paulo a um menino tão especial?
... já sei!

"Chian, desenhe um horizonte, onde a vista não alcança.
Imagine arte, música e dança.
Um dia poluído, com o céu azul de doer.
As quatro estações no mesmo dia.
Uma cidade subterrânea, que existe, mas não se vê.
Ruas sujas, mas coloridas, de tão floridas.
Desconhecidos conversando e pessoas conhecidas se encontrando por acaso, no meio de uma multidão.
Os cheiros de restaurantes do mundo todo, misturados.
Um gari, recolhendo um jornal do chão e encontrando uma poesia, que conhecia de quando era criança.
Um poeta, que de tanto odiar a cidade, resolveu cantá-la.
Desenhe a pressa. Algo como pessoas subindo escadas-rolantes em movimento.
Shoppings, monumentos, lançamentos.
Grandes eventos.
Enfim Chian... imagine um lugar onde acontece tanta coisa ao mesmo tempo, que a impressão que se tem é que não está acontecendo absolutamente nada."

Chian, maravilhado pela descrição de uma cidade tão diferente, mostra seu desenho:
- É assim sua cidade?

(Após olhar algum tempo para o papel, primeiro com desconfiança e aos poucos, abrindo um sorriso)

- É sim Chian, parabéns! Seu desenho está perfeito! São Paulo é assim mesmo!

"Uma idéia, um ideal, muitos desejos. Incontáveis possibilidades.
Uma cidade que se reinventa a cada dia.
Existem tantas São Paulos que às vezes tropeçamos nelas.
Tantas, que podemos capturar apenas retalhos de algumas
que quando juntas, formam uma.
Somos nós que construímos essa cidade,
ao mesmo tempo em que ela também nos reconstrói."

- Ahhh Chian... agora eu tenho que ir... é que falar de São Paulo pra você me deu uma saudade...
Eu acho que vou voltar pra lá hoje mesmo!
- É mesmo? Você vai pra lá hoje? Jura? Me leva com você, por favor, por favor!
- Levar você comigo? Mas como? Você não tem passaporte, passagem, autorização...
- Ah! Isso não é problema! Eu me escondo no seu bolso!
- O que?
- É!!! Eu me escondo no seu bolso!
- O quê? Se esconde no meu bolso?
(Chian fala baixinho:)

- É!!! Eu me escondo no seu bolso!

(Enquanto falou isso, foi ficando pequenininho, pequenininho... até caber aqui, na palma da minha mão. Olhando pra Chian, escuto ele dizer:)

- Nós, loucos, podemos ficar do tamanho que queremos!
(olho pro alto, e em volta, inclusive para o meu próprio corpo, digo:)
- Nós, loucos, podemos ficar do tamanho que queremos?
(Pego Chian cuidadosamente e guardo, dentro do meu coração)

Foi assim, que eu fiz a maior loucura de toda a minha vida.
Foi assim, que eu trouxe Chian comigo, aqui pra São Paulo.
Vocês querem saber se ele gostou daqui, né?
É claro! Chian, adorou São Paulo. Tanto, que como muitos de nós, nunca mais quis ir embora.
É que aqui, aconteceu uma coisa que nem ele acreditou:

Aqui, ninguém acha que ele é louco.


Autores:

(História original de Luiz Brás, escrita com letras pretas.
A parte em roxo é de minha autoria.
A parte em vermelho é de Geraldo Ramiere
http://www.gargantadaserpente.com/coral/contos/gr_sp.shtml
A parte em azul, é de autor desconhecido)