O menino mora numa velha fábrica de vidros. Tem uma coleção infinita de
garrafas dessas de se fazer um barco dentro.
Mora ali sozinho desde não pode se lembrar quando. Morou um tempo na rua
mas não sabe dizer. Outra coisa que não sabe é fazer barcos.
Mas sabe fazer um milhão de outras coisas. Aprende sonhando: sonha com
as coisas que sabe fazer, acorda e faz. Assim vai enchendo as milhares de
garrafinhas abandonadas com seus talentos oníricos.
A primeira garrafinha que encheu foi com sonho. Sonhou uma coisa linda,
sonhou com a lembrança de sua mãe. Acordou e guardou a imagem da mãe na
garrafa. Botou a imagem ali e arrolhou. Até hoje, todos os dias antes de
dormir, reza pra garrafa com a imagem de sua mãe sorrindo.
E foi guardando sonho: guardou sonho onde tinha um montão de amigos e
brincava de pega-pega. Guardou sonho na praia que nunca viu. Guardou sonho de
rio que nunca nadou.
Uma noite sonhou com uma brisa gostosa e guardou a lembrança do sonho da
brisa. De tarde, bateu mesmo uma brisa gostosa na beira da linha do trem onde
ficava a fábrica.
Pensou: “Se posso guardar o sonho, por que não posso guardar a brisa de
verdade?”
Tentou. E guardou a brisa.
Assim aprendeu a guardar coisas: guardou pôr do sol, chuva, tempestade
de trovão, voo de pipa no céu, voo de avião no céu, guardou até vontade de ser
passarinho e vontade de ser avião. Guardava qualquer coisa que quisesse, esse
era o seu talento.
Certa vez, fazia já uma semana de chuva e frio. Não podia fazer nada, só
ficar na fábrica sozinho esperando a chuva passar. Não tinha passarinho no céu,
não tinha sol, não tinha manhã, tarde, nada: só cinza e chuva.
Pensou: “Tenho tanta coisa guardada... será que dá pra usar?”
Lembrou de um sonho em que tinha um cachorro branco e marrom muito
brincalhão. Procurou no meio das tantas garrafinhas arrumadas nas prateleiras
da fábrica. A fábrica era um galpão enorme enorme e cheio de prateleiras com
garrafinhas vazias e cheias de sonhos do menino.
Achou a que procurava: lá estava o cachorro feliz brincando feliz
sozinho na garrafa. Abriu: o cachorro saiu num pulo e começaram logo a brincar.
Já não tinha mais tédio, brincaram e brincaram e brincaram até que saiu
o sol. E depois que saiu o sol!
Viraram grandes amigos! Brincam juntos assim pelo grande galpão da
fábrica até hoje!
Vez ou outra, quando faz essas semanas cinzas, abre uma garrafa de sonho
na praia e vão brincar de rolar na areia.
Coisa linda! Viver não é brinquedo não, mas podemos brincar de não sofrer tanto. Lindo conto Paulo D'Auria.
ResponderExcluirPuxa, obrigadão!
ResponderExcluirFico feliz de ter esse retorno!
:)